domingo, 28 de fevereiro de 2016

O direito de falar merda

Um texto, como uma aula, não tem o condão de dar conta de toda a realidade. É e será sempre um recorte, segundo a ótica de quem o elabora. Nesse sentido, sempre faltará algo a ser colocado e quem o lê, poderá, a qualquer tempo, concordar ou contraditar os argumentos existentes em seu bojo. Assim funciona a postura crítica. É no conflito que a Ciência e a filosofia se instituem enquanto tal.

A escritora e atriz Fernanda torres, no texto de sua autoria publicado na “Folha”, denominado MULHER, no geral, fez colocações muito pertinentes sobre o comportamento feminino, capaz de suscitar reflexões em diversos sentidos, afinal o tema é complexo e controverso e pode ser abordado em muitas matizes, inclusive do ponto de vista da autora, que é branca e de classe média. Por isso achei extemporânea a forma como muitos internautas a criticaram. Uma inconteste intolerância burra (como se existisse intolerância inteligente).

Quando discordamos de uma ideia ou pensamento tornado público, em um ambiente de liberdade de expressão, temos a possibilidade de contraditá-lo, mostrando, se possível, as suas dissonâncias internas e a sua falta de ajustamento com a realidade. A crítica deve visar as ideias, jamais o indivíduo que as elabora. Mesmo quando essas ideias não são da melhor estirpe, o direito de externá-las é inconteste, pois não faz sentido que a liberdade de expressão seja circunscrita aos bons pensamentos ou quando estiverem alinhados ao entendimento da maioria. Falar MERDA também é um direito sagrado num ambiente democrático.

Se admitirmos outra hipótese, instituiremos a ditadura dos que falam o que a maioria quer ouvir ou uma “meritocracia intelectual”. SÓ OS MAIS APTOS PODERÃO SE EXPRESSAR. Quem não for hábil como as palavras, ou vai correr o risco de ser bombardeado de forma grotesca por aqueles que divergem da sua maneira de pensar, ou vai “enfiar a língua no rabo”, como se falar MERDA não fosse um componente intrínseco da liberdade de expressão.

São comportamentos como esses que, em determinados momentos históricos, privaram o ser humano de ter acesso a teorias que não estavam de acordo com a visão dos detentores do poder. É dessa forma que se institui um controle da produção intelectual.

Por isso, se, de fato, vivemos num ambiente democrático, que todos, inclusive aqueles que tem MERDA na cabeça (que não é o caso da Fernanda Torres), possam dizer o que pensam, sem que um bando de despreparados tentem reprimi-los de forma tosca.